Tertúlia “Pescando na Praia do Norte. O Corrimão” | 14 novembro 2014
No dia 14 de novembro, integrada nas comemorações do Dia Nacional do Mar, estivemos à conversa sobre a pesca na Praia do Norte e a pesca tradicional com o Corrimão, desenvolvida há muito por parte da comunidade da Nazaré.
A “pesca do corrimão” é uma pesca apeada, feita na praia, apenas favorável quando o mar se encontra agitado, daí ser realizada sobretudo no inverno. Consiste em largar, ao longo do areal, uma linha com múltiplos anzóis, que é arrastada para o largo com a força da rebentação.
Foi uma animada e participativa tertúlia, onde se lembraram com nostalgia os tempos dos "pescadores de barrete" que viam no corrimão a sobrevivência aos penosos dias de inverno, quando não podiam ir ao mar nas suas frágeis embarcações. Tinha que "estar mar" e, depois de horas a trabalhar com o corrimão "como se fosse um acordeão" (António Petinga), pé descalço areia acima para vender o peixe até São Pedro de Moel.
Anos volvidos, o "corrimão" deixou de ser uma arte de pesca reconhecida pela legislação em vigor; e entre o desinteresse dos jovens, o receio pelas pesadas multas e as novas atrações do surf na Praia do Norte,... esta tornou-se numa prática em desaparecimento, à semelhança de tantos outros processos tradicionais de pescar, que sucumbem perante as novas diretivas e tecnologias.
Mas, na sequência de diligências que se vêm tomando nos últimos anos, e conforme conclusão retirada desta tertúlia, pretende-se a sua legalização, atendendo a vários fatores:
- é uma pesca seletiva, pouco expressiva em termos de impacto junto das espécies piscícolas (sobretudo o robalo), sendo o peixe apanhado já graúdo;
- contribui para a limpeza do areal;
- serve sobretudo de ocupação e sustento complementar a pescadores e marítimos reformados, assim se preservando igualmente a identidade cultural da Nazaré e da região no sector das pescas.
Estas e outras questões foram debatidas e analisadas por:
- Lourenço Gorricha (Comandante da Capitania do Porto da Nazaré);
- Carla Maurício (CapMar – Câmara Municipal da Nazaré);
- António Peixe (Professor “Ciências do Mar” na Universidade Sénior da Nazaré);
- Eugénio Couto (mentor de iniciativas para reconhecimento do corrimão)
- pescador António Petinga e Cremilde Barros, a única mulher a pescar ("ao corrico", ou seja, com cana) na Praia do Norte.
Contámos também com a presença de alunos da disciplina de "Ciências do Mar" da Universidade Sénior da Nazaré / Câmara Municipal da Nazaré.
Esta iniciativa inseriu-se na exposição "Praia do Norte. Com as ondas também se pesca", patente no Museu Dr. Joaquim Manso entre 14 de novembro e 5 de janeiro de 2015 (ler + aqui).
Evocando todos os antigos "corrimoeiros", transcrevemos um excerto de "O Corrimoeiro", do poeta e escritor nazareno José Soares:
"Apertou o ritmo das passadas, atalhando caminho. Um barulho abafado e contínuo veio aos seus ouvidos numa lufada de maresia.
- É capaz de estar mar... Mas à borda é que se vê.
Passou além da Muralha. Atravessou caminho por entre estevas e outra vegetação rasteira. Agora já distinguia o ruído surdo daquele mar comprido, aquela zoada hipnótica do cair pesado e sucessivo das ondas, dominando os espaços da noite.
- Tá mar e não há-de ser pouco. Mas não hei-de poder trabalhar?! A isca é fresca e o aparelho é valente. (...)
A conversar consigo, passou as areias brancas. Parou. Lançou a vista pela escuridão até ao mar. Tudo era espuma até onde os seus olhos noctívagos podiam alcançar. Era demais. Como foi possível que toda a pouca sorte do mundo se juntasse para o destruir? (...)
Lá vinha, de regresso, mais triste do que zangado com a má fortuna, subindo as areias do caminho, a dialogar consigo, a meia voz, para espalhar a solidão, como sempre fazia quando andava ao corrimão. (...)"
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