Em meados
do século XX, a Nazaré fascinava pintores e fotógrafos, nacionais e
estrangeiros, em demanda de uma promessa de originalidade de paisagens e
tradições ligadas ao mar e à pesca, numa Europa pós-II Guerra Mundial que se
abria definitivamente à industrialização e ao desenvolvimento comercial. As
suas gentes habituaram-se às lentes de amadores ou profissionais, a conviver de
perto com pintores e escritores, que, consciente ou inconscientemente,
participaram na produção e divulgação de uma determinada imagem identitária da
Nazaré.
António
Manuel de Lança Cordeiro (1938-2000) seguiu a via profissional da
arquitetura, mas a fotografia foi outra das suas paixões, assim como a Nazaré
onde cresceu. Das décadas de 1950
a 1970 ficou uma série de fotografias, que o autor
ofereceria ao Museu Dr. Joaquim Manso nos anos da sua organização (1976), na
qual também colabora ativamente.
Essencialmente a preto e branco, no formato 6x6, elegem como cenário as
ruas da Praia da Nazaré. O interesse de arquiteto sente-se na atenção ao
edificado tradicional, à denúncia das ameaças a que o mesmo se sujeitava
perante uma realidade que anunciava a mudança económica e social
consubstanciada a partir dos anos 1980. Mas, acima de tudo, as fotografias de
Lança Cordeiro expressam o seu entendimento global do espaço, a visão de
urbanista e a relação da arquitetura com as vivências e as suas ocupações
funcionais.
A mulher é uma presença constante. À conversa, em grupo; no arrebate da
porta a cuidar dos filhos ou a remendar roupa; envolta em capas negras ou em
traje de trabalho; a transportar filhos, peixe ou lenha; a vender legumes e
frutos secos; … é ela que povoa as ruas estreitas e os “pátios” da praia. Ao homem,
associam-se as embarcações, o transporte das artes, o convívio na taberna…
Nas palavras de Lança Cordeiro, “todas estas Ruas, a Frente do Mar e o
Mar, formam um conjunto que é um órgão vivo, claro e certo. (…) São estas 3
partes que se constituem em órgão vivo, pela vida que se lhes dá e faz
diariamente. (…) As terras vão vivendo ou morrendo pelo que vamos fazendo,
gerações e mais gerações, muito ou pouco lá vai ficando como sedimentos,
camadas sucessivas ao longo de vidas”.
O núcleo
fotográfico oferecido pelo autor ao Museu Dr. Joaquim Manso trata-se, assim, de
um significativo contributo para a documentação visual da Nazaré das décadas de
1950-70, assim como para o debate sobre o papel que a fotografia assume na
construção da memória nazarena, e como ela hoje se nos oferece, quer na sua
vertente documental, quer artística.
Em exposição no Centro Cultural da Nazaré, até 16 de junho.
Colaboração: Câmara Municipal da
Nazaré, Biblioteca
da Nazaré , José Carlos Codinha, Jaime Rocha, Bombeiros Voluntários da Nazaré, família do
autor.
Apoio: Carlos Portugal
– Fotografia Profissional