Últimos dias da exposição "O meu cachené. Fotografia de Gisela e Antti Särkilahti"


LEMBRETE | Últimos dias da exposição de fotografia "O meu cachené", da autoria de Gisela e Antti Särkilahti
até 13 setembro


Se ainda não nos visitou, aproveite este últimos dias para descobrir as "mil e uma maneiras" da mulher da Nazaré usar o lenço.

A "nossa" vizinha Adelina respondeu ao nosso desafio e veio exemplificar algumas das maneiras registadas pela lente de Gisela e Antti Särkilahti, permitindo-nos fazer também o registo vídeo, para o Arquivo do Museu.

À Dona Adelina, à Gisela e ao Antti, o nosso reconhecimento por permitirem documentar e divulgar uma prática quotidiana de quem ainda usa "saia de roda" no seu dia-a-dia, cheia de significados e códigos femininos, passados de geração em geração.
Visualizar exemplo de vídeo 1 e vídeo 2






Do texto da exposição:

"O traje tradicional insere-se no complexo mundo da comunicação não verbal. Assim o constatava o estudioso Luís Chaves (1945): “Como se falasse, utilizando para tal uma determinada linguagem, o traje adquire um valor de comunicação que faz dele um sinal; no caso da indumentária regional um sinal de gente que vivia na região onde se usava” (Luís Chaves, “Considerações sobre o traje popular”, Brotéria, 1945).
O hábito da mulher cobrir a cabeça vem de tempos imemoriais. A sua justificação pode estar associada a questões de genuína proteção do sol e do frio ou a efeitos estéticos e de beleza; mas ao uso do lenço ligam-se também questões de identificação social, de respeito pelo sagrado ou de transmissão de estados emotivos. Certo é que, até muito recentemente, era raro a mulher andar de cabeça descoberta. 
Na Nazaré, o lenço (ou “cachené, como é localmente conhecido) é peça essencial de um traje tradicional ainda usado no dia-a-dia por muitas das mulheres mais velhas. 
Se a capa negra e o chapéu de feltro já desapareceram (em uso apenas pelos grupos folclóricos), o lenço persiste na sua notoriedade, somando-se ao “avental de festa” como fator de disputa e vaidade. 
Depois de penteado o cabelo e feito o “rolo”, a mulher coloca o lenço, de lã ou de algodão, estampado com decorações geométricas ou florais simples, delimitadas por uma barra lisa. É um quadrado com c. 1 metro que, depois de dobrado em triângulo rectângulo, proporciona efeitos estéticos por vezes surpreendentes, pelos seus padrões, cores e maneiras de pôr. 
Assim como o traje na sua globalidade, os lenços também denunciam a função social, de trabalho, festa ou cerimónia, sendo, nestes últimos casos, feitos de tecidos ou padrões mais cuidados. Por exemplo, os lenços em tom de roxo são mais comuns na proximidade do “Senhor dos Passos” (Quaresma); o preto ou o cinzento reservam-se aos momentos de luto.
Em geral, no dia-a-dia, outrora, eram de cores escuras e usados indistintamente. Agora, tornam-se cobiça de quem procura os antigos padrões e tecidos, convertidos em preciosas raridades; combinam-se as cores com o resto das peças do vestuário; a lã é substituída por outros materiais mais sintéticos e os padrões vão obedecendo aos ditames do mercado e às poucas lojas que ainda os vendem na Nazaré.
Consoante os traços da personalidade, os estados de espírito, as funções que a mulher esteja a desempenhar, para fins de agasalho ou nos momentos festivos ou “domingueiros”, as maneiras de dispor o lenço atraíram a lente de Álvaro Laborinho (1879-1970) e o lápis do artista Abílio de Mattos e Silva (1908-1985), nos anos 1930-70. Hoje, continuam a sobressair no registo fotográfico de Gisela e Antti Särkilahti, dois autores estrangeiros que há vários anos vêm fotografando a Nazaré e as suas gentes. 
Atados de diversas maneiras, ou apenas sobre a cabeça caindo soltos, os lenços “falam” pelas mulheres que os usam. Esta “comunicação” pressupõe a partilha de um mesmo sistema de valores e linguagem, frequentemente indecifrável para quem é exterior a essa comunidade.
Com esta exposição fotográfica, Gisela e Antti Särkilahti e o Museu Dr. Joaquim Manso prestam a sua homenagem às mulheres da Nazaré, últimas guardiãs desta herança cultural.

Dóris Santos | Museu Dr. Joaquim Manso, 2015"


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